quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Seio de Vênus x Serra Negra

Caminhada na região montanhosa no centro do território da cidade de Petrópolis nomeado '' Conjunto do Retiro''

Um caminho conhecido...

Era 18 de Outubro de 2017. E eu estava completando meu vigésimo primeiro aniversário. Nunca fui muito chegado a festa ou festas surpresas. Sempre preferi passar o dia normalmente, agradecendo em pensamentos, escutando música ou lendo algum livro. Mas nesse dia eu resolvi que iria subir o Seio de Vênus novamente. Foi por conta dessa montanha que iniciei nas caminhadas. Acabei chamando o Davi Moura e disse a ele que queria comemorar meu aniversário com uma caminhada na trilha favorita. Ele, como sempre, aceitou me acompanhar mais uma vez. Fez um dia muito bonito e curtimos bastante a trilha. Contudo, não iria lá somente pelo aniversário. Estava de olho na Serra Negra que , com os seus 1546m e sendo a maior montanha deste conjunto, recebia poucas visitas. E aquele cume misterioso, a rocha com vegetação e sua longa crista me despertava o desejo de conhecer enquanto saboreava o café sentado no banquinho da varanda.
Trilha do Seio de Vênus num dia lindo de sol.
 Durante a trilha do aniversário, fizemos umas boas fotos também.O dia estava muito belo para ser desperdiçado.                                                       
Belo visual pela tarde.
 Depois de algumas fotos, descansamos e já começamos a nos coçar. Haviam ainda alguns carrapatos ''Micuins'' pela extensão da trilha. Nos apressamos e então começamos a segunda metade da trilha. Apesar do sol, não fazia tanto calor e o vento era bem refrescante.
Já numa parada antes de um subidão íngreme e erodido, aproveitei o capim ''barba-de-bode'' para fazer um registro do Davi. Acabei aproveitando um pouco dos contrastes da Serra Negra e da Serra das Araras ao fundo. Até que o resultado foi bom!

Davi no descanso.
 Voltamos para a subida, indo com calma, pois ficaríamos para aproveitar o pôr do sol antes de voltar para casa. Batemos um bom papo, como fazemos sempre e prosseguimos.

Seio de Vênus e Serra Negra vistos da parte final do subidão.
 Deu pra pegar também um pouquinho da cidade e outras montanhas...
Montanhas da Serra da Estrela ao fundo.
Torres do Morín até o Morro dos Macacos.
Além das montanhas, uma bela flor também estava em nosso caminho. O nome eu não sei, mas é uma beleza para os nossos olhos. Parecem cornetinhas!!!
Linda flor na trilha.
Depois de alguns registros e mais uns bons passos, chegamos ao cume. Aproveitamos para o habitual descanso e seguimos na sequência com fotos, vídeos e o bom papo entre amigos. Essa conversa rendeu tanto que cheguei no ponto que eu queria. Disse ao Davi que procurava uma forma de ir de uma montanha para a outra. Então fomos explorar. Ainda daria tempo de ver o sol se pôr. Começamos a descer a montanha pelo que me parecia ser a direção Oeste. O caminho era bem acidentado, escorregadio e se mostrava potencialmente perigoso. Fui na frente com bastante atenção e evitei um conjunto de lajes de pedra a direita que terminava numa queda de uns 15 ou 20 metros talvez. Chegamos num ponto em que paramos para avaliar. Olhei atenciosamente por minutos, avaliando o local por completo. E para a minha felicidade, encontrei uma forma de poder descer a montanha e pegar um morrote logo abaixo.
O caminho que encontrei para poder atravessar.
 Se tudo fosse bem até lá, o caminho ficaria mais óbvio para alcançarmos uma crista na parte mais a leste da montanha, onde percebi uma crista bastante arbustiva, com muitas árvores. Comentei com o Davi e ali ficamos um pouco mais. Trocamos algumas ideias e então subimos para o cume. Lá, esperamos o sol se por e fomos embora. Aproveitei para fazer mais alguns registros.
Entardecer na montanha.
Serra do Taquaril a esquerda e Serra do Cantagalo a direita

 Foi certamente o melhor aniversário que já tive.

Voltando para começar a missão.

Algumas semanas depois, no dia 03 de Novembro de 2017,numa sexta-feira, Davi e eu voltamos para o Seio de Vênus com o propósito de iniciar a trilha para a Serra Negra. Iniciamos a trilha bem cedinho, mas a previsão nos enganou e ficamos apenas no cume da montanha, tomada pela névoa e vento frio. Esperamos por mais de duas horas para ver se as condições iriam nos favorecer. Mas acabamos por adiar, não valeria a pena arriscar a descida acidentada sem visibilidade alguma. O risco de não ter as referências visíveis poderiam nos levar para uma queda feia. Optamos pela segurança e deixamos para outra semana.

Iniciando pra valer.

No dia 14 de Novembro, acordei bem cedinho para ir trabalhar. Fiquei no batente com o meu pai de 08h00 da manhã até as 18h00 da tarde. Fui pra casa e já mandei uma mensagem para o Davi, isso por volta das 19h30. Ele topou e então arrumamos a nossa alimentação,vestimentos e colocamos tudo na mochila.  Eram 22h00 da noite e saímos de minha casa para campar no Vênus. A ideia era boa, pois acompanharíamos o nascer do sol e seguiríamos para a Serra Negra. Chegamos ao cume 00h00 em ponto. Subida tranquila com o céu estrelado e na companhia do meu cachorro, o ''Stiffler''. Ele fugiu e acabou nos seguindo. Armamos a barraca e entramos. Apesar de estarmos no verão, fazia um frio considerável lá em cima. Ficamos na barraca fazendo a refeição e batendo papo. Do lado de fora o meu cachorro ficava de um lado para o outro. Ele recusou o avanço da barraca e preferiu ficar numa moita de mato. Escutei algumas musicas no fone enquanto apreciava o ambiente  de dentro da barraca. Davi fazia o mesmo. Peguei no sono sem ver. Quando consultei no meu relógio, marcava 04h40. Coloquei o celular para despertar as 05h30. Acordei e comecei a agitar o café e aproveitei para dividir com o cachorro. Um tanto sonolento, calcei as botas, coloquei o casaco, a boina e então sai da barraca, pois a poesia das cores começaram a se formar no horizonte, com um forte tom alaranjado ganhando força. Então as 06h03 da manhã, os primeiros raios de sol começaram a tocar as montanhas, as barracas e também a nossa pele. Em silêncio, Davi e eu apreciamos esse momento mágico. O único barulho que ouvimos durante o nascer do sol foi do canto dos pássaros e do cachorro andando pra lá e pra cá. Organizamos algumas coisas e deixamos só a barraca e os sacos de dormir disponíveis. Fizemos algumas fotos para guardar de recordação também.
 O sol iluminando a barraca. 
Casa pequena, quintal gigante.


Momentos de paz.

Silhueta do Davi.
Depois do nascer do sol, registros e do café, partimos rumo ao nosso novo destino. E é claro,com o cachorro na cola. Ele nos seguia sem parar, totalmente a vontade, e nos divertia também.
Nosso companheiro durante o dia inteiro.
 Descemos o trecho acidentado por volta das 08h00 e chegamos ao morrote por volta de 08h15. Continuamos até passar ao lado de uma cerca de arames. Percebi que ali era um caminho usado. Talvez por passarinheiros ou por pessoas que tomavam conta de alguma fonte d'água. Atravessamos a cerca e entramos num trecho de mata bem bonito. Hora ou outra a gente acabava num descampado. Em um desses momentos avistei a Serra Negra e a Pedra do Retiro e a Pedra do Retiro Mirim. Peguei o celular e fiz o registro.
Serra Negra.
Pedra do Retiro e Pedra mirim do Retiro.
Após sair da mata, chegamos no ponto mais alto do longo colo entre as montanhas. Olhei as torres de alta tensão que cortavam aquele vale e dei uma respirada. Estava muito animado. Mas ao mesmo tempo, um pouco nervoso. Não sabia o que iria encontrar pela frente. Expliquei ao Davi qual era a minha ideia. Mas como ele estava atento, viu uma calha a direita de uma das torres e então seguimos por ela. Começamos a subir e eu fiquei surpreso de ver que havia uma calha bem visível ali. O trecho inicial na mata era espetacular. Seguimos subindo na sombra, protegidos pelas árvores. Passamos por algumas pedras e muitas bromélias. Até aí, tudo estava indo melhor do que chegamos a imaginar.
Davi na subida.
Bromélia.

Por volta das 09h00, os casacos foram parar dentro das mochilas. O céu estava limpo, ventava bastante e fazia um calor bem suspeito. Já até imaginava como seria mais difícil de prosseguir montanha acima com o calorão que faria a partir de 12h00...
Com algumas paradas para beber água e reforçar a carcaça com lanche rápido, chegamos numa bifurcação. Uma trilha subia a nossa esquerda e uma descia a nossa frente. Optamos pela que seguia em direção a montanha. Fizemos um esforço nessa subida curta, nos beneficiando do capim e alguns galhos. Quando vencemos essa parte, fiquei confuso. A tal calha da trilha desapareceu de repente. Olhei para o Davi e ele já sabia que era hora de tirar o facão da mochila.

O caminho até a crista.

Davi no batente.
Abrindo caminho.
Com o facão em punho, tomei a dianteira, bem determinado. Davi me seguia e rebatia tudo o que eu deixava escapar. Nos certificamos de não retirar bromélias, orquídeas ou qualquer outra planta que estivesse no caminho. Até desvio fizemos para preservar ao máximo o ambiente. Sem falar que além do calor, da subida e do ato de bater facão - que é bastante cansativo-, eu levava a mochila cargueira nas costas de morro acima, com tudo que tinha direito: Cordas, barraca, isolante térmico, água, alimentos e etc. Por conta da empolgação, nem me dei conta de que esse esforço faria falta na reta final. Também não queria deixar a mochila em algum lugar  e acabar esquecendo o local. Preferi carregar a todo tempo. Até que íamos bem. Fizemos bons trechos antes do calor ficar mais intenso. O dia estava muito bonito. Enquanto caminhava, notei uma bela flor e também vi a minha montanha favorita de um outro ângulo. Sem mencionar o conjunto do Alcobaça aparecendo por trás da linha da crista do Seio de Vênus...
Linda flor na trilha.
Seio de Vênus e Alcobaça.

Fiz os registros e segui com bastante vontade. Mas as paradas começaram com mais frequência. Até o cachorro se entocava na sombra. Tomamos água e partilhamos com o cachorro também. Ele gostava muito da hora do lanche!!!

 De volta a trilha, bem reabastecidos e com muita energia, entramos na mata e acabamos por nos enroscar em algumas samambaias. Tive que contornar, fazendo uma volta para evitar esforço maior do que já vinhamos fazendo. Chegamos numa grotinha e sentamos numa pedra para descansar. Apesar de ter algumas árvores e arbustos ao redor, a visão era bem legal. Sem tempo a perder, colocamos o pé na trilha e então nos deparamos com um trecho de subida um pouco mais longa. Abrimos caminho até avistar a crista, e ela já estava bem perto de nós. Depois de um tempo no meio da mata, saímos na reta final para alcançar a cumeeira da elevação. Para a nossa sorte, a vegetação não oferecia resistência a nossa passagem. Foi bem fácil passar nesse trecho, que agora nos mostrava um ângulo diferente das montanhas mais próximas.
Seio de Vênus.
P. do Retiro e P. mirim do Retiro.

Novamente peguei no celular para registrar qualquer ângulo diferente. Aproveitava o vento refrescante, mas sentia o rosto arder um pouco, mesmo usando a boina. Por descuido, não levei protetor solar e acabei voltando com o rosto queimado...


Pouco depois cheguei na crista da montanha e fiquei aliviado. Tirei a mochila das costas e me estiquei.Olhei todo o trajeto que fizemos e fiquei totalmente orgulhoso. Sentei no chão, bem a vontade. Peguei a garrafa de café e saboreei enquanto comia uns biscoitinhos. O cachorro já balançou o rabinho e reparti com ele também. Coloquei mais água e ele foi para a sombra dos arbustos. Numa das observações atentas que eu fazia da região, avistei um pinheiro isolado. A partir desta observação, notei o cume menor da Serra Negra ao final da crista.

O pinheiro e a crista que leva até o cume menor.

 Comentei com o Davi que depois de ir até o cume principal, poderíamos fazer um investida até lá.
Descansados, nos organizamos para voltar a caminhar. Nesse momento eu pensei que seria questão de tempo, muito pouco tempo, para alcançar o cume. O calor já estava nos castigando. Era 13h30 e não perdemos tempo. Olhei todo o lugar enquanto caminhava para aproveitar ainda mais.

Reta final.

Faltando pouquíssimo para chegar ao cume, olhei bem e achei que o pior tinha ficado pra trás. A nossa frente, uma crista inclinada apresentava uma vegetação que parecia ser fácil de vencer. Porém, eu estava enganado.
Crista arbustiva na reta final da Serra Negra.
 Toda a empolgação sumiu quando cheguei mais perto. Bambus entrelaçados por todos os lados. Não tinha como contornar. Era seguir em frente ou voltar. Eu não queria voltar e então encarei. Peguei o facão e fui abrindo caminho. Conforme o tempo passava, as coisas se tornavam mais desgastantes. Era demorado e trabalhoso para se livrar dos bambus. Conseguimos sair da subida e abrimos um trecho de vegetação mais tranquila. O ânimo voltou quando eu bebia água em pé, numa das paradas que fizemos. Era o cume, não podia ser outra coisa. Olhei no meu GPS- um etrex30 da GARMIN. A nossa altitude era 1520 m e o cume tinha 1546. Estávamos uns 50 ou 70 metros. Antes de prosseguir, fiz um registro da Serra das Araras com a magnífica Maria Comprida roubando a cena. Com os seus 1926 m de altitude e com paredões que variam de 830m a 1.040 de altura, era impossível de não registrar e apreciar...
A imponente Maria Comprida na Serra das Araras.
Bromélias na laje.
Bromélia amarelada.
Guardei o celular, respirei fundo, peguei o facão e fui com tudo o que tinha me sobrado de força física e psicológica. Davi veio junto. Segui numa investida a todo vapor no meio do bambuzal entrelaçado. Começamos a nos revezar durante o trecho. Mas Davi não estava muito bem desde manhã. Eu também já estava bem cansado, mas continuava a lutar bravamente, com ''sangue nos olhos'' para completar a missão. Mas as 15h30, tivemos que ter humildade perante a montanha e aceitar que não iria dar dessa vez. Numa última tentativa de se aproximar do cume, levantei o braço e desci o facão com vontade. Esse foi o último ato dessa natureza neste dia. Minhas forças se foram. Estava esgotado, e vi que apesar da mente estar trabalhando, o corpo não correspondia. Voltamos para a crista e ficamos no lugar em que paramos na subida. Voltei admirando as bromélias e pensando na lição que acabará de aprender na montanha.

Penando na volta...

 As 16h00 estava sentado ao sol junto do Davi e com o meu cachorro, apreciando o visual, lanchando, fazendo vídeos e fotos. Apesar de ficar um pouco frustrado, estava orgulhoso da aventura do dia. Mas o cansaço era tanto que foi difícil levantar para ir embora. Isso aconteceu só uma hora depois. Davi ainda fez um registro meu. O rasgo na calça foi por conta de um espinho bem grande e pontiagudo no bambuzal...
Momento de reflexão enquanto descansava...
 Começamos o caminho de volta exatamente ás 17h00. Até para descer a trilha já aberta e sem precisar do facão foi dureza. O joelho doendo, as mãos, o rosto e as costas ardendo. Um cansaço extremo por conta do calor desgastante. Invejava o meu cachorro nessas horas, que ia saltitando pela trilha. Sempre a nossa frente, ele descansava e abanava o rabo. Quando nos aproximamos dele, ele saia em disparada. Achava que ele era um bom motivador... para cachorros!
Com muita dificuldade na volta, ainda tivemos que subir o Seio de Vênus pela sua encosta Oeste, totalmente acidentada e íngreme. Alcançamos o cume um pouco antes do pôr do sol. Carrapatos subiam e circulavam pelo meu corpo. Davi se queixava bastante. Retirei alguns, apreciamos o espetáculo e descemos mais uma montanha. Chegamos no ''morrão'' por volta das 20h00 e Davi comprou uma coca-cola bem gelada, de 2 litros. Bebemos com gosto e comemos alguns salgados. Me despedi dele e fui pra casa. Joguei a mochila na varanda, a roupa coloquei no cesto e então fui para o relaxante banho. Apesar dos perrengues do dia, foi uma experiência incrível nas montanhas.

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